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O Superior Tribunal de Justiça tutelando, no recurso especial, o dever constitucional e legal de fundamentação das decisões judiciais

  • Ângela Marques e Ricardo Silva
  • 7 de jul. de 2024
  • 6 min de leitura

O dever de fundamentação das decisões judiciais está consagrado em nossa Constituição Federal no inciso IX do artigo 93, assim redigido:

 

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;         

 

É de se ressaltar que o constituinte originário, ao redigir o preceito acima, considerou a falta de motivação da decisão judicial vício tão grave que, excepcionando a técnica legislativa na elaboração da Carta Magna, incluiu uma sanção no texto constitucional, qual seja, a nulidade do julgamento proferido pelos órgãos do Poder Judiciário.

O Código de Processo Civil repete literalmente esse preceito constitucional no seu artigo 11: Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

Um breve estudo dos processos julgados sob a égide do antigo Código de Processo Civil de 1973 demonstrava a ânsia das partes na defesa de seu alegado direito ao exame de todas as questões suscitadas perante o Poder Judiciário

Todavia, a jurisprudência do STF, ao interpretar o referido inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal, com reconhecimento da repercussão geral do tema, reiterou seu posicionamento quanto ao alcance do dever de fundamentação nos seguintes termos:

 

Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°).
2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV e LX do art. 5º e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência.
3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão.
4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral.
(AI 791292 QO-RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 23/06/2010, REPERCUSSÃO GERAL )

 

Certamente por essa razão o Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu nos seus artigos 489 e 1.022 condições mínimas de fundamentação da decisão judicial para torná-la válida, podendo-se afirmar que o verdadeiro foco desses dispositivos legais é atacar as decisões padrões ou decisões modelo, as quais serviriam em tese para qualquer tipo de causa a ser examinada judicialmente, sem a devida correlação com o caso concreto.

Confira-se, nesse sentido, o teor dos artigos 1.022 e 489 do CPC, no que importa:

 

Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:
I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
III - corrigir erro material.
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º .
Art. 489. [...]
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

 

Contudo, mesmo após o advento do Código de Processo Civil de 2015 a jurisprudência do STF perfilha o entendimento esposado no julgamento com repercussão geral, acima referido, conforme se pode comprovar no seguinte precedente:

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 279/STF. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TEMA 339/RG). SUPOSTA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL (TEMA 660/RG). AGRAVO IMPROVIDO. 
[...]
IV – Consoante assentado no julgamento do AI 791.292 QO-RG (Tema 339/RG), da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o art. 93, IX, da Lei Maior exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 
[...]
(ARE 1489464 AgR, Relator(a): CRISTIANO ZANIN, Primeira Turma, julgado em 01-07-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 03-07-2024  PUBLIC 04-07-2024)

 

Diante desse arcabouço jurídico e jurisprudencial, tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal podem ser provocados para analisarem, respectivamente, em sede de preliminar de recurso especial ou recurso extraordinário, se a jurisdição foi devidamente prestada pelos Tribunais das instâncias ordinárias.


Na jurisprudência do STJ, verifica-se que comumente o recorrente defende, no seu apelo nobre, a existência de afronta aos artigos489, § 1º e incisos e 1.022 e incisos do CPC, sendo mais incidente a alegação de omissão perpetrada pelo acórdão recorrido. 

Confira-se, nesse sentido, os seguintes julgados dessa Corte Superior:

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - EMBARGOS DE TERCEIRO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA, DE PLANO, NÃO CONHECER DO APELO NOBRE. INSURGÊNCIA DA PARTE EMBARGADA.
1. As questões postas em discussão foram dirimidas pelo Tribunal de origem de forma suficiente, fundamentada e sem omissões ou contradições, devendo ser afastada a alegada violação aos arts. 489, § 1º, I, II, III, IV, V e VI, e 1.022, I e II, do CPC. Consoante entendimento desta Corte, não importa negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota, para a resolução da causa, fundamentação suficiente, porém diversa da pretendida pelo recorrente, decidindo de modo integral a controvérsia posta. Precedentes.
[...]
(AgInt no AREsp n. 2.548.308/DF, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 26/6/2024.)

 

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXTRAVIO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. NULIDADE DA CDA. INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO. OFENSA AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE GARANTIA DO JUÍZO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
[...]
3. Conforme constou no decisum agravado, não se configurou ofensa aos arts. 489 e 1.022 do Código de Processo Civil, uma vez que o Colegiado a quo julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia. Não há vícios de omissão ou contradição, pois a Corte de origem apreciou e decidiu, fundamentadamente, as questões postas ao seu crivo, descabendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
[...]
(AgInt no AREsp n. 2.521.108/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/6/2024, DJe de 24/6/2024.)

 

Até o advento do CPC/2015, era muito comum que o STJ,  constatando a deficiência na prestação jurisdicional ocorrida nas instâncias ordinárias, provesse o recurso especial para anular o julgamento dos declaratórios realizado no tribunal a quo, determinando o retorno dos autos à Corte de origem, visando nova análise desse recurso integrativo para saneamento dos vícios de embargabilidade detectados (omissão, contradição, obscuridade e erro material).


Essa sistemática ainda persiste na jurisprudência construída com amparo no CPC/2015, mas sempre que possível o STJ, deparando-se com a afronta ao artigo 1.022 do CPC, se utiliza da regra instituída no artigo 1.025 desse Códex Processual para considerar fictamente prequestionada tese relevante que deveria ter sido examinada pela Corte de origem e não o foi. Nesse sentido:

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. RESGUARDO EM TERRENO LOCALIZADO ÀS MARGENS DO RIO DO BRAÇO. ÁREA NÃO EDIFICÁVEL. ORDENAÇÃO DA CIDADE. NÃO HÁ VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. TEMA N. 1010. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. ENUNCIADO 613 DE SÚMULA DO STJ. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA.
[...]
II - Conquanto com razão o recorrente (Ministério Público Estadual) quanto à alegada violação do art. 1.022 do CPC/15, este apontou a possibilidade do prequestionamento ficto (art. 1.025 do CPC), tendo-se por prequestionada a matéria. O Tema n. 1.010, julgado nesta Corte Superior, assentou a seguinte tese: "Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade."
[...]
(AgInt no REsp n. 2.113.900/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 26/6/2024.)

 

Em suma, se o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal não fundamentou devidamente o voto recorrido, deve a parte insurgente alegar, em preliminar de recurso especial, a ocorrência de afronta aos artigos 489 e 1.022 do CPC, defendendo, a depender do caso, a anulação do julgamento dos declaratórios ocorrido no Tribunal a quo ouque o STJ considere fictamente prequestionada determinada tese relevante para o deslinde da controvérsia — nos termos do artigo 1.025 do Códex Processual — e solucione a questão conflituosa.



O Superior Tribunal de Justiça tutelando, no recurso especial, o dever constitucional e legal de fundamentação das decisões judiciais

 
 

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